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Mostrando postagens de 2013

Pirapora

Expirado o quinto ano no campo de Iturama, a Missão me transferiu para Pirapora de Minas , às margens do São Francisco. Ali nasceu nossa filha Eline, e ali comemos o pão que o diabo havia sovado para nós. Dois grandes e inesperados problemas nos envolveram ali: o primeiro, a Missão fazia suas transferências sem consulta prévia a seus obreiros. Sem o sabermos, ela transferia dali o evangelista a quem a igreja amava e queria, e ela, Missão, não queria, e me colocava em seu lugar, sem que a igreja me quisesse. Aquele obreiro e aquela igreja criam com todas as veras da alma que eu era participante no complô. Nunca conseguimos convencer que éramos inocentes. Ali encontramos um dos homens mais difíceis do mundo, e, o que é pior, era presbítero. É muito complicado tentar explicar como é possível que homens como aquele cheguem a ser presbíteros, quando mal servem para ser meros membros. Aquele homem, associado a outras pessoas de seu círculo, e que eram contra nós, nos maltratou publicamente

Primeiro Campo

No final de 1963, recebia meu diploma de evangelista leigo e volvia as costas para aquela casa que veio a ser minha casa e minha família. Procurei cultivar e intensificar tudo quanto aprendera ali. No entanto, assim que parti com o convite da Missão Presbiteriana no Brasil para assumir um campo de trabalho, tive a nítida noção de que ainda não estava pronto para tal empresa. Isso me valeu muito, pois me forçou ao cultivo da humildade (virtude que andava e ainda anda longe de mim!) e do estudo sem trégua. Levou-me a programar a vida cotidiana, quer pessoal, quer familial, quer ministerial. Levantava-me de manhã e lia a Bíblia durante horas, sublinhando e memorizando textos; lia outros livros; vi-me forçado a comprar livros e mais livros, pois o que possuía era quase nada. Devorava tudo o que vinha a minhas mãos. Dava o maior valor a um livrinho. Procurava preparar-me bem, fosse para o sermão, fosse para o estudo bíblico. Com isso li e estudei muitos livros importantes; lia minha Bíbli

A Música

Ciente de minha grande carência de cultura, de experiência, de traquejo para o ministério, isso me proporcionou o intenso desejo de adquirir, ali, o máximo de conhecimento e de experiência. Enquanto todos espaireciam nos intervalos, eu me aferrava aos livros e às lições de classe. Até hoje os velhos colegas de IBEL , quando me encontram, se lembram desse cenário. Sempre tive a língua presa e uma péssima dicção. Naquele tempo, então, era muito pior. A professora Loyde Emerik ocupava a cadeira de português, e lutou muito comigo para corrigir diversos vícios de linguagem. “Valter, o pregador não pode falar assim!” Eu nasci assim, professora, e vou morrer assim. “Não é verdade. Todos nós corrigimos os defeitos de nascença.” De fato, aqueles insistentes conselhos da Profª Loyde deram resultado: consegui corrigir muitas coisas. Quando preguei meu sermão de prova – chamar aquilo um “sermão” é mera hipérbole! –, Rev. Saulo de Castro Ferreira era o professor de homilética. Durante a crítica,

Benedita

Em minha classe havia um aluno chamado Benedito Meneses , esse homem viera das bandas do Rio de Janeiro. Estava ali como uma tentativa de ser transformado num homem de Deus. Fora grande celerado, chefe de gangue, preso muitas vezes, abraçara o evangelho não sabemos como, pois não conhecemos sua história. No peito esquerdo faltava-lhe uma costela, arrancada por uma facada de inimigo, isso dentro do próprio presídio. Eu via nele uma grande vontade de superar o passado. Aproximei-me dele e fizemos uma forte amizade. Ele, porém, criava problema com todos os alunos. Todos tinham medo dele e o evitavam. Quando furioso, víamos em sua face um lampejo de fúria só contida pelo temor de Deus que então cultivava. Certa vez, Rev. Woodson pediu minha opinião sobre o Benedito, porquanto eu era o presidente da classe. “Valter, tenciono mandar embora o Benedito, pois tenho medo que esse homem crie um caso muito grave para esta instituição. Quero sua opinião como presidente da classe.” Lembro-me como

Primeiros Contatos com João Calvino

Rev. Woodson era homem de coração extremamente sensível. Explosivo, sim, porém sentia e chorava fácil com os outros. Naquele momento, ele chorou comigo! Pediu-me que aguardasse uns dias. Cerca de uma semana após aquele diálogo, ele me chamou outra vez ao seu gabinete. Então eu disse a meus colegas: Hoje é o dia de minha despedida do IBEL. Vou sentir muito a falta de vocês. Falei isso à beira do desespero. Ao adentrar o gabinete do diretor, minha surpresa foi chocante. Com muita emoção, com um sorriso largo, ele me disse: “Valter, você já não vai embora! Consegui-lhe uma bolsa para dois anos. O restante deste ano eu mesmo pagarei de meu próprio bolso.” Amei aquele homem; aprendi muito com ele! Ele me passou a ideia de que quem serve a Cristo deve cultivar a solidariedade, a compreensão, a sensibilidade; seu coração tem de ser tangido pelo coração do Senhor da Igreja; seu coração tem que bater com o dos outros. Como substrato teológico, o diretor promoveu a memorização do Breve Cat

Instituto Bíblico Eduardo Lane

Aquele ônibus estacionou-se na rodoviária de Patrocínio; era o destino final da viagem. Enfim, chegava no IBEL . Para mim aquele, sim, era um novo universo. Até então, não havia visto nem experimentado nada parecido. O choque existencial foi terrível; o contraste, chocante. Ao deixar o interior do ônibus, empunhando uma malinha surrada, deparei-me com um bando de pássaros em algazarra: eram Ibelinos de todos os recantos que ali chegavam para ou o início ou o reinício das aulas. Os veteranos festejavam o reencontro; os novatos se esquivavam ante o inusitado. Ninguém era conhecido. Aos poucos fui avistando alguns dos professores. Ao encontro dos alunos na rodoviária foram Miss Frances Hesser e Dona Ana Alvarenga. Aquela, a psicóloga de todos; e esta, a conselheira das moças. Há tempo que ambas viviam ali, e há tempo também que ambas abriram passagem rumo à morada dos santos, deixando para trás um rastro de luz que jamais deixará de fulgurar. Jamais imaginara que houvesse no mundo pes

Vocação Para o Ministério

Francisco Maia veio a ser meu espelho, meu referencial, e o Espírito de Deus usou  aquele moço para injetar em mim um profundo anseio de ser como ele, de aprender a  pregar como ele pregava. Francisco acabara de sair do IBEL (Instituto Bíblico Eduardo  Lane), Patrocínio , Minas Gerais, onde se formara para o serviço de evangelista leigo. Ele  me falava muito desse IBEL, despertando em mim profundo anseio de ir lá e fazer o curso  que ele fizera. Eu queria mudar de cidade, mudar de vida, experimentar algo bem  diferente. Ali eu revivia minha vida pregressa, trabalhava na mesma oficina, mantinha  vivência com as mesmas pessoas, era criticado por pessoas perversas e ignorantes, que me  conheciam bem, as quais tentavam convencer-me de que eu estava num barco furado, que  a religião que ora abraçava era vazia de toda a verdade, fabricada por homens perversos,  inventada não há muito tempo. Um padre me disse que deixar a santa igreja católica era  assinar a própria condenação eterna; que m

Ingresso na Igreja

Sim, Valter sou eu. Aquela pequena igreja veio a ser o berço de minha nova fé, uma fé que antes eu maldizia e dela fugia. Aquela igrejinha passou a ser minha família. Cada vez mais me entrosava com pessoas que oravam por mim e comigo. Ensinavam-me não só a ler a Bíblia, mas também a amá-la e a conhecê-la. Encontrei em certo jovem um amigo e mestre do alfabeto bíblico. Infelizmente, ele regressou ao caminho de outrora e permaneceu nele, afastando-se da santa vereda da fé genuína. No entanto, nunca deixei de amá-lo, porque, misteriosamente, nos comandos da Providência, o Senhor da Igreja o usara para encaminhar-me na vereda que, depois, ele mesmo abdicou. Quem é capaz de entender ou de explicar essas coisas?   Minha querida igreja em 1958 Armando Bonilha mudou-se, e para Tupaciguara foi um moço chamado Francisco Maia, naquele tempo evangelista da Missão Presbiteriana no Brasil , pois aquela congregação pertencia ao campo missionário da Missão. Bem jovem, ainda solteiro, Fr

IMPERATIVOS PARA O MINISTRO DO EVANGELHO

Texto : 1 Timóteo 4.11-16 Introdução : 1. Os imperativos do texto 2. Este versículo constitui uma síntese do contexto anterior 3. Você é ou vai ser ministro do evangelho – e não outra coisa! I. Imperativo quanto à vida pessoa – “Tenha cuidado de si mesmo” 1. A vida inteiramente pessoal – “Exercite-se, pessoalmente, na piedade” (v. 7) 2. A vida que envolve a família 3. A vida que envolve a igreja 4. A vida que envolve a sociedade em que você vive 5. Vida que requer: renúncia, determinação, que siga um único rumo (Fp 3.13, 14) II. Imperativo quanto à sã doutrina – “Tenha cuidado da doutrina” 1. Deve-se ter sempre em mente que a Bíblia, antes de ser o meu livro, é o livro de Deus; o livro dado pelo Espírito Santo. Não somos seus autores. Não temos o direito de diminuí-la, de aumentá-la, nem de adulterá-la, nem de negá-la. 2. Antes de ensiná-la, temos de tomar posse dela. 3. Vivemos um tempo em que é praxe determinar o que cremos na Bíblia. 4. Temos o de

Encontro Com a Eterna Verdade

Morando numa humilde pensão onde tinha seu quarto e o que comer. O dinheiro só dava para pagar a hospedagem naquela pensão. Ele ficou ali cinco longos anos. Longos porque foram anos penosos, escuros, solitários, sem qualquer perspectiva de vida futura. Não havia ninguém a quem recorrer em quaisquer assuntos. Via uma moça, sentia-se naturalmente inclinado, porém se esquivava de mansinho, pesaroso, constrangido, porquanto seu aspecto social era mui precário. Roupas remendadas, calçados velhos e rotos, só bem mais tarde pode ele usar um terno completo, mesmo assim porque alguém lho presenteara. E assim Valter conheceu um universo de solidão e de apatia no tocante à vida futura. Logo descobriu, para profundo desgosto seu, que a proprietária da pensão, sua irmã e mãe eram “crentes”. De vez em quando entrava ali um homem alinhado e de boa prosa, e então foi informado que aquele era o pastor da igreja daquela família. Cada vez que o Evangelista Armando Bonilha adentrava aquela casa, aquele

Filho do Meio

Nove filhos que um certo casal teve, sendo que um faleceu com poucos dias, dos oito restantes todos tinham seus nomes iniciados com M: Maurício, Maurílio, Maria, Marcely, Marcelucio, Manoel e Marília; menos o do meio que recebeu um nome iniciado com o V de Valter Graciano Martins . Os pais nunca souberam exatamente a razão da diferença, e realmente pouco ou nada importava, já que aquele menino se sentiu feliz com o nome recebido. Justamente aquele menino de nome diferente estava destinado a realizar uma obra perene e também diferente, a qual jamais seria apagada da história, e cujo nome se perpetuaria nas páginas de dezenas de livros, fato esse que ninguém, nem mesmo ele, tinha a mínima consciência, enquanto crescia e se desenvolvia, pisando a lama da terra massapé, respirando o ar puro do campo, banhando-se no ribeirão que corria nos fundos da casa, onde viveu por cerca de uma década, trabalhando com o pai na lavoura. Era uma família ruralista, a lidar com a terra e com animais do

João Calvino Falando Português

Sem a menor sombra de dúvida, este é o tempo em que João Calvino se põe a falar nosso idioma, através da tradução de suas obras. Após um século e meio de fé evangélica no Brasil, em apenas duas décadas suas obras proliferam de modo inusitado, quando antes pouquíssimos criam na validade de tal empreendimento. Duas versões evangélicas das  Institutas , uma versão secular delas, dezenas e mais dezenas de comentários e tratados, já traduzidos e em preparação, e um volume de suas correspondências. Certamente, se os vários tradutores de suas obras escrevessem sobre a experiência que tiveram enquanto mergulhados no pensamento do Reformador, todos teriam muito a nos contar.  No que me diz respeito, em particular, o que tenho a dizer sobre a minha experiência, enquanto traduzo os comentários e tratados de Calvino, encheria um volume massudo. Como conto com pouco espaço, tentarei sintetizar ao máximo as minhas impressões, visando à edificação dos leitores. Durante todo o tempo em que estou